sexta-feira, 13 de junho de 2008

Poesia japonesa

Quinta-feira, 12 de Junho de 2008
Poesia japonesa
Sugerir no lugar de dizer. Sem título, sem rima. Em poucas palavras, uma fotografia de um instante. O haikai é o tema da quarta reportagem da série Olhar Japonês.

As lembranças que o vento traz
Me sinto tão só

Da síntese vem a força da poesia tradicional japonesa. Que, quatro séculos depois de ganhar forma, virou assunto de sala de aula no Brasil.

O haikai no original japonês é quase uma fórmula matemática: Três versos de cinco, sete, e cinco sílabas.

“É esse desafio de conseguir colocar em 17 sílabas muita coisa, muito significado, muito sentimento", diz Mika Yagura, estudante.

Quando as palavras certas se encontram, dá orgulho. "Fazer essa síntese envolve essa simplicidade que o japonês tem. Então, me sinto feliz, talvez até honrada de estar aprendendo a pensar como japonês", fala Thais Froes, estudante.

Apenas estando aqui,
Estou aqui,
E a neve cai
Kobayashi Issa

"O haikai é um poema da sugestão, você sugere, não diz. E isso na verdade é uma essência da arte japonesa”, jô takahashi, Fundação Japão.

Para escrever um haikai, é preciso abrir mão de expressar diretamente os sentimentos. Amor, alegria, tristeza nunca aparecem com essas palavras. São os elementos da natureza que simbolizam o estado de espírito. O ciclo das quatro estações lembra que nada é para sempre, tudo tem um fim. Assim é o haikai:

Breve e sutil,
Do outono ao verão,
Como a vida.

A referência a uma das quatro estações, que no Japão são bem definidas, é indispensável no haikai tradicional.

A flor de cerejeira, ou sakura, símbolo do país, é uma das palavras que sugerem primavera.

"A cerejeira floresce de uma forma, digamos, muito rápida e também as flores perecem num período muito curto, isso tem um sentido, da necessidade, por exemplo, das pessoas fazerem o melhor naquele tempo que é concedido", analisa Minoru Naruto, professor de arquitetura.

Flores de cerejeira no céu escuro
E entre elas a melancolia
Quase a florir
Matsuo Bashô

Com haikais como este, Matsuo Bashô, se tornou o grande nome da poesia japonesa.

No século 17, Bashô uniu o haikai ao pensamento zen. Ensinamentos budistas, como viver o presente, buscar a essência e valorizar a contemplação também estão presentes no haikai.

"Você fica contemplando a natureza e de repente as coisas se equilibram dentro de você de tal forma, que o haikai vem, te acontece, como o piscar de um vagalume”, diz Alice Ruiz, escritora.

Engano amigo
Tenho a impressão
Que a lua vem comigo
Alice Ruiz

Há 40 anos, a escritora Alice Ruiz faz do haikai uma prática zen. E ensina os segredos da poesia japonesa.

"Não intelectualizar, isto é, não colocar teu pensamento sobre as coisas, mas procurar fazer um registro do que está sendo visto", explica Alice Ruiz.

A concisão do haikai, que desembarcou no Brasil com os primeiros imigrantes, conquistou os modernistas, como Oswald de Andrade.

O mar urrava
como um fauno
após o coito
Oswald de Andrade

Guilherme de Almeida gerou polêmica ao acrescentar título e rima ao poema.

O pensamento
O ar. A folha. A fuga.
No lago, um círculo vago.
No rosto, uma ruga.
Guilherme de Almeida

Quebrando regras, os poetas brasileiros tropicalizaram a poesia japonesa. A marca de Paulo Leminski, um dos maiores entusiastas do haikai, era a irreverência.

Confira
Tudo que respira
Conspira
Paulo Leminski

É de Millôr Fernandes um haikai de despedida.

Passeio aflito,
Tantos amigos
Já granito
Millôr Fernandes

Profundo e conciso, o haikai se renova no ritmo acelerado do mundo.

"Nós vivemos um tempo sem tempo, nós não temos mais tempo pra nada. O que precisamos aprender é dizer o suficiente em poucas palavras, que é exatamente o que o haikai nos ensina", avalia Alice Ruiz.


Fonte: http://jg.globo.com/JGlobo/0,19125,VTJ0-2742-20080612-323672,00.html

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